quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Psicopatia. Um cérebro obcecado pela recompensa

Cientistas descobrem novo traço fisiológico da psicopatia: uma motivação anormal, provocada pelo excesso de dopamina.
"Têm uma atracção tão forte pela recompensa - a cenoura -, que se sobrepõe ao sentido de risco e ao medo do pau." A descrição é de David Zald, neurocientista da Universidade de Vanderbilt, em Nashville, EUA. Serve para explicar o que acredita ser uma fisiologia cerebral anormal: em indivíduos com traços de psicopatia descobriu uma fixação sem travões, provocada pelo excesso de dopamina no cérebro.

O trabalho foi publicado esta semana na revista científica "Nature Neuroscience" e tem por base cérebros à partida comuns, diz ao i David Zald. Participaram jovens adultos da comunidade de Nashville, a quem foram feitos testes de personalidade para determinar o grau de psicopatia, num espectro clínico onde só num extremo aparecem os criminosos violentos. Manipulação, egocentrismo, agressão e desejo de correr riscos são algumas das características observadas, adianta o investigador.

Através da técnica de tomografia por emissão de positrões (PET) - capaz de medir a libertação do neurotransmissor dopamina - observaram como o cérebro dos participantes com mais traços de psicopatia reagia a uma dose de anfetaminas e a uma promessa monetária. Descobriram que a reacção cerebral chegava a ser quatro vezes superior à dos outros participantes, e que nestes casos o núcleo accumbens (onde actua a dopamina e ligado à sensação de prazer) é hiper-reactivo. "Até aqui, grande parte da investigação estava focada nas falhas em termos de medo e empatia e não naquilo que estes indivíduos têm em excesso: impulsividade, a motivação para a recompensa e o destemor, sublinha Zald. "Os nossos resultados sugerem que os indivíduos com sinais de psicopatia também podem ser anormais em termos de motivação: é tão grande que se sobrepõe aos sinais que fariam um indivíduo normal parar antes de agir." Acreditam também que esta pode ser a base de comportamentos associados como a violência, a reincidência e o abuso de drogas.

Armindo Freitas-Magalhães, investigador do Laboratório de Expressão Facial da Emoção (FEELab) da Universidade Fernando Pessoa, especialista nesta área, diz que a conclusão vem reforçar a avaliação global do psicopata. No futuro, um mapa cerebral do psicopata "permitirá avanços significativos na compreensão dos processos psicossociais associados. A distinção passa essencialmente pela frequência e intensidade com que poderá afectar o núcleo de personalidade do psicopata", explica.

Onde começa a doença Conhecer os mecanismos fisiológicos por detrás da psicopatia pode ajudar a circunscrever melhor a doença. "Em termos de diagnóstico, só é possível quando os comportamentos são tão acentuados que prejudicam as funções do cérebro. Contudo, é verdade que o ponto onde se deve traçar a linha é um debate aberto", diz David Zald. Tem porém uma resposta clara para os problemas éticos que poderão surgir à medida que aumenta o suporte biológico destes distúrbios: "Apesar da biologia, uma pessoa é capaz de distinguir o certo do errado, é responsável pelas suas acções. A biologia pode provocar alguma predisposição para comportamentos antissociais, mas em último caso o indivíduo tem o livre arbítrio para decidir agir, ou não, em função dessas predisposições", defende. A opinião é partilhada por Rui Abrunhosa Gonçalves, especialista em psicologia da justiça: "É sabido há muito tempo que a psicopatia tem uma raiz biológica, mas isso não altera a capacidade de distinguir o certo do errado. Até um esquizofrénico só é inimputável estando em crise aguda", diz.

Espera-se que alguns avanços nesta área surjam em Portugal já a partir deste ano. No FEELab, os investigadores querem identificar emoções e movimentos faciais que correspondam ao processamento cerebral do psicopata, através de imagiologia de ressonância magnética funcional (fMRI), psicometria neurofuncional e plataformas informáticas que estimulam os sistemas cerebrais, particularmente o límbico (responsável pelas emoções). Vão cartografar movimentos e linguagens faciais para detectar indivíduos em risco. "O conhecimento do estado da psicopatia em Portugal é indispensável para o tratamento e prevenção da violência", sublinham.

Por Marta F. Reis, Publicado em 18 de Março de 2010, em ionline.  

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